“É tetra! É tetra! É
tetra!” A imagem de Galvão Bueno depois do fim da partida que decidiu a Copa do
Mundo de 1994 nos Estados Unidos, aos pulos e berros, ao lado de Pelé, em
comemoração ao título da Seleção Brasileira, é uma das imagens mais marcantes da
história televisiva do esporte nacional. O próprio locutor, hoje com 68 anos, é
um dos símbolos da nossa trajetória esportiva na telinha, imortalizado, por
exemplo, pela narração das vitórias do piloto Ayrton Senna. E, para a
felicidade de seus fãs, ele decidiu adiar a aposentadoria e seguir à frente dos
microfones por pelo menos mais uma Copa, embora tivesse sinalizado que
penduraria as chuteiras depois do Mundial de Rússia, realizado em 2018.
Não foi a primeira vez que Galvão Bueno ameaçou parar: já tinha
dito que a Copa do Mundo do Brasil, em 2014, seria seu último grande evento.
Mas, agora, ele quer ainda trabalhar no Mundial do Catar, em 2022. “Pode isso,
Arnaldo?” O que explicaria essas mudanças de decisão do narrador? E, afinal,
quais fatores pesam quando um profissional decide adiar sua aposentadoria?
Essa
decisão obedece a duas variáveis principais: necessidade e desejo, segundo o
consultor e coach Edson Moraes, sócio da empresa de assessoria estratégica
Espaço Meio. “E requer um planejamento de longo prazo”, acrescenta.
Adiar a aposentadoria: variáveis
A
primeira das variáveis é de teor mais pragmático. E envolve a saúde financeira
do profissional. Aqui, falamos de uma estratégia mais ampla em termos
monetários: quem trabalhou por muitos anos precisa considerar se o que vai
receber da Previdência, somado ao pé-de-meia constituído ao longo da trajetória
produtiva, será suficiente para manter o padrão de vida estabelecido. Ou
considerar a hipótese de se readequar, de acordo com os rendimentos
pós-aposentadoria.
De
qualquer forma, Moraes ressalta que um eventual complemento de renda não passa
obrigatoriamente pela continuidade da mesma atividade profissional. “É preciso
abrir o leque de possibilidades”, argumenta. Isso significa pensar fora da
caixa na hora de compor o orçamento pessoal. “É possível fazer sanduíches
naturais para vender com o intuito de ter algum ganho além do previdenciário”,
exemplifica.
Essa
escolha de ocupação, diretamente atrelada à decisão de seguir ou não com o que
se vinha fazendo, leva à segunda variável da equação: o desejo. A ela, Edson
Moraes associa também o conceito de propósito, uma palavra muito usada pelas
gerações mais novas.
Nesse
sentido, estão em jogo questões mais complexas, como objetivo de vida e
autoconhecimento. E elas são, ou devem ser, despertadas o quanto antes, já na
juventude.
Esse
é o planejamento a que se refere o consultor. “Desde cedo, é preciso se
perguntar: qual é o meu sonho, e o que devo fazer para chegar lá? A resposta
será uma norteadora de decisões ao longo dos anos”, afirma.
Uma
ressalva fundamental: nortear é bem diferente de engessar. Assim, o que nos
motiva em determinada etapa da vida não necessariamente será nosso balizador em
uma fase mais madura, por exemplo. Daí a importância de estudar a si mesmo mais
profundamente – e continuamente. “Atividades como meditação e ioga podem ajudar
nisso”, lembra Moraes. “Conhecer bem a si mesmo é a chave de tudo”, reforça a
gestora de carreira Madalena Feliciano.
Sentido da vida
O
que isso tem a ver com a decisão de se aposentar? Segundo o coach, encontrar as
motivações internas não só está relacionado à escolha do momento de parar mas
também ao próprio conceito de aposentadoria.
“Ela
não tem de ser uma só, aquela que em geral associamos à questão
previdenciária”, explica. “Existem várias ‘aposentadorias’ ao longo da vida.
Como quando se resolve mudar de área profissional. Ao tirar um sabático, por
exemplo, a pessoa em geral faz uma parada para repensar a carreira, e uma
guinada já pode acontecer aí, independentemente da idade.”
Para
muita gente, deixar o trabalho significa uma perda do sentido da vida como um
todo, dependendo do quanto de paixão há naquilo que se faz. Esse baque
existencial tem de ser avaliado na tomada de decisão. Se a opção for de fato
pela aposentadoria, o vazio que o ócio acompanha deve ser preenchido de alguma
maneira – por meio de um hobby, por exemplo.
Madalena
Feliciano diz se deparar com frequência com o problema da falta de propósito de
quem decide se aposentar. “Atendo vários executivos com depressão”, afirma.
“Eles passam a se sentir inúteis na vida quando param de trabalhar.”
Ao
ficar sem uma atividade produtiva, essas pessoas, em quadro de insatisfação,
colocam em risco até mesmo seus casamentos, segundo a gestora. “Já tive cliente
que me confessou que a mulher não o aguentava mais em casa”, diz.
Nessas
situações, ela sugere considerar alternativas que não sejam exatamente “uma
ocupação fixa de segunda a sábado, das oito às seis”, ou um padrão semelhante a
esse. “O mercado tem valorizado muito a experiência dos profissionais maduros.
Eles têm muito a passar para os mais jovens”, argumenta.
“Assim,
em vez de se aposentar, podem se tornar consultores, mentores ou professores,
definindo um ritmo de trabalho menos intenso, de dois ou três dias por semana,
por exemplo. Assessorei um ex-executivo que optou por esse caminho aos 82
anos.” Esse tipo de planejamento, na avaliação de Madalena, deve começar cerca
de três anos antes da data prevista para a suposta aposentadoria.
“Não
há idade para tentar algo novo”, corrobora Moraes. “Atualmente, as pessoas
costumam chegar aos 60 anos na plenitude de suas competências. Nesse sentido, é
até uma pena que decidam parar de trabalhar nessa fase de maturidade.”
Para
permitir que profissionais aposentados permaneçam no mercado de trabalho,
o Instituto
de Longevidade Mongeral Aegon,
desenvolveu o projeto RETA – Regime Especial de Trabalho do Aposentado,
idealizado junto com pesquisadores da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas).
A
proposta quer instituir um regime especial para os empregos formais dos
aposentados, colocando em prática preceitos do Estatuto do Idoso e promovendo a
convivência intergeracional.
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