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As tristezas do trabalho e o fracasso profissional

Ter autocompaixão com os próprios fracassos não significa ser inocente, mas tentar compreender os motivos que podem ter levado ao resultado negativo

Para sobreviver nas condições de pressão da modernidade, devemos nos tornar mestres do ódio a nós mesmos | <i>Crédito: Pexels
Para sobreviver nas condições de pressão da modernidade, devemos nos tornar mestres do ódio a nós mesmos |Crédito: Pexels
Para sobreviver nas condições de pressão da modernidade, temos de ficar muito bons em autocrítica. Precisamos garantir que nada do que nossos piores inimigos nos digam já não tenha sido adotado totalmente por nós: devemos nos tornar mestres do ódio a nós mesmos. Devemos contemplar nossa própria mediocridade sem sentimentalismo ou favor; devemos permitir que a paranoia triunfe sobre a facilidade e a complacência. Ainda assim, podemos nos tornar tão habilidosos nessas manobras que nossa vitória sofre risco de ser eliminada. Em resposta a certos reveses profissionais, podemos começar a nos desprezar a tal ponto que acabamos tendo dificuldade em levantar da cama. Com o tempo, podemos até concluir que pode ser melhor acabar com nossa vida. 
Para atenuar as chances, devemos, às vezes, explorar um estado emocional do qual os ambiciosos têm uma tendência compreensível a ficar extremamente temerosos: a autocompaixão. A gentileza com nós mesmos pode parecer um convite à indulgencia, e então, ao desastre, pois atribuímos boa parte de nosso sucesso à ansiedade e à autoflagelação, mas como o suicídio também tem aspectos problemáticos, devemos aceitar o valor dos momentos calculados de cuidado próprio.
Por um tempo, até ficarmos mais fortes, devemos ter coragem suficiente de adotar uma perspectiva mais generosa sobre nós mesmos. Talvez tenhamos fracassado, mas não renunciamos, por causa disso, ao direito à solidariedade e compaixão. Fomos derrotados não meramente porque fomos cretinos, mas também...
  • Porque a tarefa era muito difícil
Nós nos apaixonamos tão imediatamente e perdidamente pelo sucesso que não notamos a escala dos desafios que enfrentamos. Não havia nada essencialmente muito normal no que estávamos tentando atingir.
  •  Porque somos malucos
Sem intenção pejorativa em mente, como todos inevitavelmente são, somos malucos. Malucos por saber apenas intermitentemente como agir com razão, por reagir a situações através dos prismas distorcidos de nossa infância meio esquecida e sempre conturbada, por não entender a nós mesmos e aos outros adequadamente, por perder o controle de nossas reservas tênues de paciência e equilíbrio. A noção cristã de pecado original enfatiza que todo ser humano será sempre, por necessidade, radicalmente imperfeito. Nossos primeiros ancestrais – Adão e Eva – cometeram um erro que jogou uma sombra sobre toda a história humana. Não precisamos acreditar na ideia para que reconheçamos suas implicações consoladoras: nossas vidas deram errado não por causa deste ou daquele erro nosso, mas por causa de uma falha muito mais profunda e básica de nossa espécie – uma mancha endêmica que nunca poderá ser eliminada.
  •  Porque o fracasso sempre foi o resultado mais provável
Ouvimos tanto sobre histórias de sucesso que imaginamos – naturalmente – que elas devem ser a regra e esquecemos que, na verdade, elas são as anormalidades tremendas e – assim – referenciais inúteis e enlouquecedores para comparação. Precisaríamos de uma impressão estatisticamente mais confiável sobre como é a vida da maioria das pessoas, que nos ensinaria o padrão normal que as vidas adotam, mas raramente conseguimos isso. Em vez da galeria de heróis à qual estamos expostos, precisamos testemunhar regularmente bobagens comuns: pessoas que se agarram a hipóteses enganosas, viram no lugar errado, afastam-se cuidadosamente do que, depois, acaba sendo a melhor opção, comprometem-se entusiasmadamente a erros, são ignoradas por mitos e odiadas por poucos, nunca sentem uma realização plena no amor, são cheias de arrependimentos quanto a suas famílias e morrem repletas de amargura e dor. Os apertos universais são fundamentalmente tristes e, ainda assim, insistimos em nos sentirmos envergonhados do que deveria ser uma das verdades mais básicas publicamente reconhecíveis sobre a condição humana: a de que falhamos.
Há muito tempo, nossas sociedades cruelmente, sentimentalmente insistem no oposto, de que podemos e todos venceremos. Ouvimos falar de resiliência, de retorno, de nunca retroceder e dar mais uma chance. Nem todas as sociedades e eras foram tão impiedosas. Na Grécia Antiga, uma possibilidade notável – tão estranha quanto um barco trirremes para nossa era – foi visualizada: você poderia ser muito bom e, mesmo assim, apesar de tudo, errar. Para manter a ideia viva na imaginação coletiva, os gregos antigos desenvolveram a arte do drama trágico. Uma vez por ano, em festivais imensos nas principais cidades, todos os cidadãos eram convidados a ver histórias de fracasso impressionante, frequentemente horrendas: pessoas que haviam infringido uma lei desimportante, tomado uma decisão apressada, dormido inadvertidamente com a pessoa errada e, então, sofrido ignomínia e punição extremamente rápidas e desproporcionais. Ainda assim, a responsabilidade estava longe de pertencer apenas aos heróis trágicos, era obra do que os gregos chamavam de ‘destino’ ou ‘deuses’, uma forma poética de insistir que o que era fadado a ser não reflete razoavelmente os méritos dos indivíduos em questão. Devíamos sair do teatro livres de moralismo fácil, solidários com as vítimas, temendo por nós mesmos.
As sociedades modernas têm mais dificuldade nisso: parecem incapazes de aceitar que uma pessoa verdadeiramente boa possa não ter sucesso. Se alguém fracassa, parece mais fácil que acredite que não era, no final das contas, boa em algum aspecto, e essa conclusão nos defende contra um pensamento muito mais perturbador, menos divulgado e, ainda assim, muito mais verdadeiro: o de que, na verdade, o mundo é muito injusto. Todos estamos à beira da tragédia – em sociedades relutantes em nos oferecer roteiros compreensivos para narrar nossas histórias.
  • Porque invejamos as pessoas erradas
Começamos a invejá-las porque elas se pareciam tanto conosco e queríamos ardentemente ser como elas. Nossa noção de igualdade básica lançou agonias competitivas. No entanto, embora de longe esses sucessos realmente se parecessem conosco, sob a superfície evidentemente tinham diversas habilidades que não temos: podem ter tido cérebros incomuns capazes de sintetizar quantidades enormes de dados financeiros de maneiras engenhosas, ou foram levados a trabalhar 18 horas por dia ou passaram por um período impiedoso, dos quais não fomos fundamentalmente capazes ou interessados. O pensamento assombrador – por que eles, por que não eu? – não deve mais levar simplesmente à autotortura e ao pânico competitivo, mas sim nos mover para uma sensação nada familiar de admiração. Pode realmente haver grandes diferenças entre você e a pessoa invejada. Ela nunca foi realmente sua igual. Assim, não é só a preguiça, ou algum tipo de força perseguidora que explica nossa atual situação relativa. Quando vistas racionalmente, algumas conquistas realmente estão além de nós. Devemos nos tornar espectadores apreciadores em vez de rivais decepcionados desses seres espetacularmente incomuns que conquistaram grandes coisas.
  •  Porque nos julgamos pelo que fazemos – não pelo que somos
As mensagens que absorvemos através da educação e do trabalho afirmaram outra coisa, mas, no final das contas, não somos apenas nossas conquistas. Status e sucesso material são pedaços de nós, mas também há outros. Aqueles que nos amaram na infância sabiam disso e, em seus melhores momentos, ajudaram-nos a sentir isso. Precisamos adotar uma relação paternal com nós mesmos e ensaiar as vozes internalizadas de todos os que nos incentivaram sem exigências. A verdadeira reafirmação não é dizer que os planos de alguém poderão dar certo, mas sim insistir que o valor humano de alguém não está em risco mesmo se tais planos falharem.
  •  Porque nunca tivemos a chance de pensar no que realmente queríamos ser
Fomos apressados, compramos uma ideia romântica de que encontraríamos nossa vocação, algo profundo em nossa natureza que nos guiaria até um trabalho ideal para nós – com os qual nos encaixaríamos de forma perfeita e natural e que nos faria totalmente felizes. O problema é que não houve tempo e nunca chegamos lá. Deveríamos ter ficado semanas longe de tudo e todos e nos entregado a um pensamento solitário, livre das pressões de agradar aos outros. Descobrir o que fazer foi difícil, não porque fomos estúpidos ou autocomplacentes, mas porque nossas decisões tinham de ser construídas sobre provas dispersas e muito imperfeitas. Pedaços confusos de informação foram espalhados em nossas experiências. Quais, realmente, eram nossos pontos fortes? Houve momentos de tédio, empolgação, coisas com as quais lidamos bem, que foram intrigantes por um momento e, depois, negligenciadas: todas elas precisaram ser localizadas, decodificadas e interpretadas e reunidas. Encontrar respostas precisas teria significado construir altos níveis de autoconhecimento. Em uma cultura ideal, haveria muitos romances com esse período crucial de direção da carreira como seu foco dramático, com o personagem principal surgindo de uma jornada heroica de inquisição com uma convicção clara de que deveria – talvez – entrar em gestão de eventos, serviço civil ou oftalmologia. Em vez disso, as grandes escolhas que têm consequência na carreira ocorreram sob condições inevitavelmente adversas. Essencialmente, estamos tentando tomar decisões para alguém que não poderíamos conhecer totalmente: nós mesmos em um futuro inimaginável.
  • Porque estamos muito cansados
Parece familiar atribuir nossos piores pânicos a fatos e ideias solidamente embasados. Ainda assim, às vezes os motivos são muito mais simples e abertos a resolução: estamos exaustos. O pai generoso sabe, quando enfrenta os chiliques e as fúrias de uma criança pequena, que nem sempre vale a pena tentar argumentar com ela para que se acalme. Pode simplesmente ser o caso de fazer a criança dormir e esperar ardorosamente que a noite de sono seja longa e restauradora. Podemos precisar agir como guardiões de nossa própria criança interna furiosa e machucada. A autocompaixão é diferente de dizer que somos inocentes. Significa tentar ser extremamente compreensivos com a gama total de motivos para termos fracassado. Fomos imbecis, sem dúvida, mas merecemos existir, ser ouvidos e ser solidariamente perdoados mesmo assim.
>> Este artigo faz parte do capítulo 2 do livro "The Book of Life"

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