Você
está trabalhando pesado em um projeto importante e com prazo de entrega
apertado. Mas, provavelmente, faz e pensa em várias coisas ao mesmo
tempo. Tem um olho na tela do micro, outro no celular, os ouvidos
atentos ao chefe e às pessoas ao redor. Mensagens de WhatsApp, profissionais e particulares, pipocam a todo instante, se misturando aos alertas do Messenger, Outlook, Instagram, Snapchat e notícias de um site aberto no seu navegador. Tem também os aniversários no Facebook.
Você se lembra que combinou de almoçar com um amigo que não vê há
meses, e depois tem que pegar o carro na oficina e pagar uma conta. Mas
espere aí: o que você estava fazendo mesmo?
Sim,
você continua trabalhando naquele projeto, mas a sua atenção não está
totalmente dedicada a ele. Sua mente se dispersou com outros estímulos,
pensamentos e preocupações. A isso os especialistas chamam operar no
“piloto automático”. Significa que a atenção não está totalmente voltada
para o que está acontecendo no presente e no que está perto de você,
mas vagando em outras direções. Pesquisas mostram que operamos nesse
piloto automático quase 50% do tempo, ou seja, durante metade de nossas
vidas não damos atenção àquilo que estamos fazendo ou vivenciando. E,
quando a mente vagueia, abrimos as portas para o estresse, a ansiedade e
a depressão, além de correr mais riscos de sofrer acidentes e perder
produtividade.
Foco, foco, foco
Um número crescente de executivos e companhias estão usando uma nova técnica para evitar situações como as descritas acima: o mindfulness. O mindfulness poderia
ser descrito como um estado mental de consciência e atenção plena, no
momento presente e no que está acontecendo. Uma atenção à experiência
presente, mas sem julgá-la, criticá-la ou reagir a ela. “É uma
ferramenta que, com base em práticas e cultivo da atenção, ajuda a
controlar o estresse, a ansiedade e até a depressão. O mindfulness não
é meditação, mas usa algumas técnicas de meditação, e você pode
aplicá-las no trabalho e na vida pessoal”, esclarece Marcelo Demarzo,
coordenador do Centro Mente Aberta, da UNIFESP.
Ao praticar o mindfulness,
o indivíduo experimenta um estado de concentração em si mesmo e nas
experiências, atividades e sensações do presente, sem pensar no passado
ou no futuro. É a chamada “atenção plena” ou “consciência plena”.
Entre
os adeptos estão gigantes como a rede social LinkedIn, o Twitter, o
Facebook, a empresa de tecnologia Intel e incontáveis startups do Vale
do Silício. A prática chegou também a companhias como a gestora de
fundos BlackRock, o banco Goldman Sachs, a varejista Target e a empresa
de alimentos General Mills. O Google gosta tanto da técnica que criou um
programa todo destinado a ela, o Search Inside Yourself (busque dentro
de você mesmo, em inglês). Inspirado na sede americana, a filial da
empresa em São Paulo também tem grupos de mindfulness, e funcionários se
isolam em uma sala antes do almoço para passar 20 minutos tentando
tranquilizar a mente e aumentar o foco.
A
técnica se popularizou nas grandes empresas como um meio de aliviar o
estresse, melhorar a concentração, a atenção e a capacidade mental e, é
claro, a produtividade. Para isso, a pessoa se concentra, durante um
período, na própria respiração, nos batimentos cardíacos ou em partes do
corpo. “Durante o exercício, o cérebro é treinado para focar a atenção
em uma coisa só e no presente, sem julgar ou reagir. Por isso a técnica,
além de aumentar a concentração e a eficiência, estimula a empatia e
melhora os relacionamentos, pois torna as pessoas mais receptivas e
menos reativas”, afirma o psicólogo Marcelo Oliveira, um dos fundadores
do Centro Paulista de Mindfulness.
A empresa de tecnologia IBM é uma das que utilizam o mindfulness no
dia a dia, com workshops para explicar o que é a técnica, sessões
semanais de meia hora cada e também organiza programas de oito semanas,
há um ano e meio. “Temos pessoas treinadas e capacitadas para aplicar
essas atividades nas filiais da IBM. Desde que começamos, 96
funcionários já passaram pelo treinamento de oito semanas” conta Natasha
Bontempi, facilitadora de treinamento e instrutora de mindfulness da IBM.
Entre
as melhorias na qualidade de vida dos praticantes estão o aumento da
criatividade, da memória e da rapidez em obter respostas para problemas
complexos. “Na IBM, no início houve até uma certa resistência, o que é
normal, porque as pessoas tendem a associar com religião,
espiritualidade ou esoterismo, mas depois elas veem que não é nada
disso”, conta Natasha. Segundo ela, o mindfulness aumenta
as conexões entre os neurônios e promove o autoconhecimento e a
empatia. “Notamos melhorias nos relacionamentos profissionais e pessoais
e houve até benefícios em casos de doenças crônicas”, afirma.
Luiz
Guilherme Ferreira, executivo de impostos da IBM, lidera uma equipe de
mais de 20 pessoas, já praticou meditação e usa as técnicas de mindfulness há
mais de seis meses. “Os benefícios vêm rápido: mais concentração,
organização e redução do estresse no trabalho. Depois de uma reunião
tensa, por exemplo, normalmente as pessoas ficam pensando na reunião,
revivendo sentimentos negativos por horas. Já o praticante de mindfulness aprende a controlar os pensamentos e as emoções e não fica revivendo o que já passou. Ele se concentra no presente.”
Na
Austrália, por exemplo, a operadora de telecom Virgin apoia desde 2016 a
Smiling Mind, uma organização voltada para a difusão do mindfulness. A
proposta da Smiling Mind é repensar o papel que os smartphones têm em
nossas vidas e incentivar a prática de meditação no ambiente de trabalho
e nas escolas. A ONG afirma já ter treinado a técnica em mais de 200
empresas, impactando a vida de 20.000 pessoas — além de ter capacitado
18.000 professores. Smiling Mind também possui um app que ajuda a
reduzir o estresse e aumenta a sensação de bem-estar.
O
modo como a prática é implantada na organização faz toda a diferença, e
conquistar primeiro as lideranças é fundamental. Na 3M, que utiliza as
técnicas de mindfulness desde
2014, os líderes foram os primeiros a serem treinados, “compraram” a
ideia e funcionaram como multiplicadores. “Começamos com o programa de
oito semanas para as lideranças, e mais de 250 deles concluíram. Depois
aplicamos um módulo de quatro horas, do qual já participaram 400
pessoas, e por fim implantamos um de duas horas, com diferentes temas,
exercícios e finalidades”, conta Cristiane Lo Ré, business partner de RH
da 3M, que acrescenta: “como ainda é uma prática nova no Brasil e
diferente de qualquer outro treinamento, as pessoas podem estranhar um
pouco no início. Na 3M, o nosso presidente e as lideranças se
envolveram, e não obrigamos ninguém a ir, apenas convidamos a todos para
ao menos experimentar. E tivemos uma aprovação de cerca de 85%”.
Do Oriente para o Ocidente
Pode-se dizer que o mindfulness é
uma técnica que usa exercícios de meditação e de tradição asiática
adaptados para o Ocidente. Ficar quieto e prestar atenção em você mesmo e
ao seu mundo interno é uma das principais regras das escrituras
sagradas indianas e das tradições milenares chinesas, que pregam o olhar
para dentro e o foco no presente, deixando o passado para trás e não
criando expectativas em relação ao futuro.
Nos
anos 70, Jon Kabat-Zinn, na época um estudante do MIT assistiu a uma
palestra de um mestre zen e começou a meditar, o que mudou sua vida. Em
1979, depois de um retiro, ele e mais dois colegas abriram uma clínica
experimental onde ensinavam técnicas de meditação budistas para
pacientes com dores crônicas e estresse, com ótimos resultados. O
programa, estruturado em oito semanas, foi incorporado pela Faculdade de
Medicina da Universidade e batizado de Redução do Stress Baseada em
Mindfulness. Zinn está hoje com 72 anos, ainda dá aulas em
Massachusetts, já publicou inúmeros livros e seu método é seguido por
mais de 700 clínicas e centros médicos em todo o mundo.
Presentes em diversas tradições culturais, religiosas e filosóficas, as técnicas de mindfulness, bem
como outras práticas meditativas, têm sido cada vez mais incorporadas
na prática clínica contemporânea, especialmente na psicologia e na
medicina. O mindfulness,
hoje, já é empregado em alguns países para tratamento de depressão,
ansiedade e dependência de drogas, com resultados positivos. Como a
prática estimula o autoconhecimento, o controle e equilíbrio emocional,
ela acaba ajudando no tratamento dos males que têm o estresse como raiz
causadora.
O exercício da mente
Graças
a experimentos com equipamentos que monitoram o cérebro, a meditação já
não é mais vista pela maioria dos ocidentais como algo puramente
espiritual ou “esotérico”. A ciência já demonstrou que a prática altera
efetivamente o funcionamento do organismo. O neurocientista americano
Richard Davidson, referência mundial na área e pesquisador da
Universidade de Wisconsin-Madison, colocou monges tibetanos em máquinas
de ressonância magnética e provou que o córtex pré-frontal, região do
cérebro responsável pelo raciocínio, atenção e controle das emoções, era
mais ativa nos monges.
Estudos
recentes mostram que a meditação funciona como uma espécie de
“musculação mental”, turbinando capacidades como foco, criatividade,
concentração e rapidez para tomar decisões, habilidades muito
valorizadas no mundo corporativo. Como a meditação ensina e desenvolve a
capacidade de se concentrar, isso favorece a criatividade e a tomada de
decisões, já que a pessoa presta mais atenção ao que está fazendo e vai
fundo na tarefa, abandonando o tal do “piloto automático”, que é
trabalhar de maneira mecânica, sem se concentrar no que está fazendo.
O gerente de manufatura da 3M José Cristiano Campagnoli participou do primeiro treinamento de mindfulness da
empresa, em 2014, e hoje faz cinco minutos de exercícios diariamente,
antes do trabalho. “Além de melhorar a criatividade, a concentração e o
foco, passei a prestar mais atenção nos outros e ouvir as opiniões sem
julgar de forma precipitada. Isso te torna mais responsivo do que
reativo e faz tomar melhores decisões, inclusive na vida pessoal.”
Segundo
Marcelo Demarzo, da Unifesp, os exercícios também favorecem uma
abertura maior para novas ideias e pontos de vista”. Mas, e o tão
propagado e requisitado profissional “multitarefa”, que faz várias
coisas ao mesmo tempo? Parece que as empresas estão percebendo que quem
tenta fazer muita coisa ao mesmo tempo, acaba não fazendo nada direito.
“Isso gera estresse, ansiedade e perda de energia e eficiência, porque o
funcionário nunca está verdadeiramente concentrado no que está fazendo.
Está pensando em tudo, mas não consegue realizar nada”, explica.
Cristiane, da 3M, aponta que o mindfulness pode
ajudar muito a lidar com as inúmeras demandas e estímulos do mundo
corporativo: “as multitarefas vão continuar porque as empresas precisam
de resultados. A questão é como cada um reage e lida com isso, e é aí
que o mindfulness faz
toda diferença”. A prática dá ao indivíduo mais controle sobre si
mesmo, por isso desenvolve a capacidade realizar uma atividade sem
dispersão — algo ainda mais importante nessa era com as distrações do
Facebook, Instagram, Snapchat e dos grupos de WhatsApp.
Experimente
Se você quiser experimentar um pouco da prática em casa ou no seu dia-a-dia, siga os passos abaixo:
Em casa
1
– Escolha um lugar confortável, tranquilo e silencioso, onde não possa
ser interrompido. Desligue os telefones e use protetores auriculares.
2
– Acomode-se, feche os olhos e comece a respirar devagar e
profundamente. Procure mover o abdômen, e não o peito. Observe os
movimentos e concentre sua atenção na sensação do ar entrando e saindo.
3 – Observe os pensamentos que vêm à sua mente, mas não tente alterá-los.
4
– Volte a atenção para o seu corpo. Lentamente, observe a postura, o
contato com a superfície, a sensação dos pés no chão, a textura das
roupas.
5
– Começando pelos pés, faça um “escaneamento” corporal, percorrendo
cada parte do seu corpo pausadamente, focando a atenção nas sensações
que encontra. Não julgue nem tente mudar nada, apenas perceba.
Ao andar
Ao
caminhar, preste atenção na gravidade agindo sobre o seu corpo, a
pressão na sola dos pés, o balanço dos braços. Se algum pensamento o
distrair, do tipo: “lembrar de abastecer o carro hoje à noite”,
descarte-o e retorne a atenção para o seu corpo.
Ao comer
Ao
comer, preste atenção ao aroma de cada alimento. Leve as garfadas à
boca lentamente e sinta a textura da comida, a temperatura, a sua
salivação, o esforço ao mastigar e as sensações ao engolir.
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