Saiba como economizar e quais produtos merecem ser consertados.
Por Anna Carolina Rodrigues
A
facilidade de crédito dos últimos anos deixou o brasileiro
mal-acostumado. A televisão quebrou? Compra-se uma nova, obviamente. Mas
essa opção não é mais tão acessível como no passado. “Inflação elevada,
juros altos, dificuldade para conseguir crédito, desemprego e
pessimismo têm levado as famílias brasileiras a ajustar o seu padrão de
consumo a um orçamento mais apertado”, diz Vitor França, assessor
econômico da Fecomercio de São Paulo.
De
acordo com o IBGE, o comércio varejista registrou queda de 8,6% em
2015, enquanto, no setor de serviços, o recuo foi de 3,6%. No ano
passado ainda, os setores de bens duráveis e vestuário apresentaram as
maiores quedas nas vendas – assim como eletrodomésticos, eletrônicos e
veículos.
Geralmente,
o final de ano é a época mais movimentada para ONGs que recolhem
doações de móveis antigos, mas, em 2015, o número de móveis recebidos
caiu. Um forte indício de que, no lugar de trocar móveis, as pessoas
estão investindo na manutenção de seus bens.
Até
2014, os brasileiros gastavam quase 6,5 bilhões de reais em consertos
por ano, segundo estimativas da Fecomercio elaboradas a partir de dados
do IBGE de 2014. “Essa cifra pode ter aumentado por causa da crise”,
afirma Vitor. Sua percepção é comprovada pelos dados do Sebrae, que
confirma um aquecimento no segmento de consertos e reparos. A entidade
observou crescimento anual nos últimos anos acima de 20% para atividades
de acabamento na construção civil – como aplicação de gesso,
revestimento, pintura e instalação de portas e janelas, por exemplo –
bem como para reparação veicular, incluindo embarcações para esporte e
lazer e motocicletas. Além de várias atividades ligadas a reparação e
manutenção de automóveis, com destaque para lavagem de carros, capotaria
e lanternagem, normalmente relacionadas à melhoria da aparência do
veículo e que podem influenciar o valor da venda do veículo usado.
No
mercado de reparos há 23 anos, Carla Costa, proprietária do Hospital do
Tênis, em São Paulo, sentiu aumento na demanda por seus serviços. De
acordo com ela, no ano passado, nessa mesma época, a busca pelo serviço
era menor. “As pessoas costumam nos procurar mais no inverno, pois os
calçados usados nessa estação tendem a ser mais caros. Calçados de
verão, no geral, são mais simples e descartáveis, mas vimos aumento na
demanda de cerca de 20% este ano”, afirma.
Para
ela, o aumento da cotação do dólar frente ao real também influenciou a
demanda. “Boa parte dos calçados que consertamos são tênis, cujo preço
aumentou muito por causa do aumento do dólar. Em vez de a pessoa gastar
400 reais ou 500 reais em um tênis novo, prefere gastar entre 50 reais e
200 reais com a gente, dependendo do tipo de serviço”, diz Carla.
E
as roupas seguem a mesma toada. Segundo dados da Serviços do Futuro,
que possui lojas de costura e reparo de vestuário, houve um aumento de
demanda de consertos da ordem de 15%. De acordo com Guilherme Netti, da
Brasil Franchising, esse aumento ficou mais evidente a partir do segundo
semestre de 2015. “Isso ainda não refletiu no número de lojas, mas a
tendência é que isso aconteça”, diz Guilherme.
Tudo se transforma
A
fotógrafa Julia Rodrigues, de 29 anos, de São Paulo, é adepta dos
consertos e reformas. Ela ainda não consertou nenhum tênis, mas, no
último ano, fez vários reparos e economizou um bom dinheiro. Com um
banho de tinta amarela em spray, que custa aproximadamente 15 reais, a
geladeira antiga porém funcional deixou de ser apenas um eletrodoméstico
e virou item da decoração da cozinha. Para o Carnaval, ela nem sequer
pensou em comprar uma fantasia. Costurou enfeites de Natal antigos em
roupas e criou adornos de cabeça para uma fantasia de sereia.
Recentemente, ao mudar-se de casa, em vez de comprar um armário, que
custaria por volta de 1 500 reais, gastou o dinheiro com alguns pedaços
de madeira, que transformou em prateleiras, e outros pedaços de cano,
onde prendeu uma cortina para substituir a porta do closet improvisado
no quarto. “Um marceneiro teria cobrado 1 000 reais. Obviamente, o
serviço teria ficado melhor, mas a economia compensa”, diz Julia.
Além
da economia, o trabalho manual pode trazer tranquilidade mental, como
defende o doutor em filosofia política Matthew Crawford, autor do livro
The Case for Working with Your Hands (Por Que Trabalhar Usando as Mãos,
em tradução livre, ainda sem edição em português). Para o especialista,
dedicar-se a uma tarefa mecânica é benéfico para o cérebro, que consegue
se desligar por alguns momentos de outras atividades rotineiras.
Claro
que nem sempre é possível resolver um problema sozinho. Nesses casos, o
importante é usar seus direitos – como a garantia. Quando o fogão deu
problema, Julia acionou a assistência técnica. “As assistências
dificultam a nossa vida, tive de marcar duas vezes até conseguir a
visita”, diz Julia.
Mesmo
com a dificuldade, os brasileiros usam muito esse serviço –
principalmente para os eletrodomésticos. De acordo com uma pesquisa
realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) em
parceria com a Market Analysis, 77% dos entrevistados procuram a
assistência para consertar eletrodomésticos. Em seguida, estão os
aparelhos digitais, como câmeras e computador, com 73%, e eletrônicos,
como televisão, com 56%. No caso dos celulares, o desapego é maior.
Cerca de 80% dos entrevistados trocam de celular sem antes levá-lo à
assistência para saber se é possível consertá-lo. É verdade que muitas
cidades nem mesmo possuem assistências autorizadas, com destaque para as
regiões Norte e Nordeste, segundo o Idec. Nesses casos, cabe ao
consumidor exigir uma atenção maior das marcas.
Esta matéria foi publicada originalmente na edição 213 da revista Você S/A com o título "Consertou, tá novo"
Você S/A | Edição 213 | Abril de 2016
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