Já ouviu falar em viés inconsciente? Ele influencia o seu comportamento o tempo todo e você nem percebe
Por Camila Pati
São
Paulo – João nem incluiu Maria na lista de promovidos porque supôs que
ela não iria querer mais responsabilidades na volta da licença
maternidade. O gestor se lembrou de sua mulher, que buscou uma rotina de
trabalho mais tranquila depois do nascimento do primeiro filho deles.
Mas, com um esquema montado em casa, uma promoção era tudo por que Maria
ansiava.
Raimundo,
na hora de recrutar estagiários, dá preferência para os alunos da mesma
universidade em que se formou. Ao priorizar universitários daquela
escola acredita que não há como errar, já que conhece a qualidade do
ensino. Por isso, o currículo de Mateus foi descartado antes mesmo de ser avaliado já que a palavra chave, o nome da tal universidade, não constava ali.
Maria e Mateus foram vítimas de uma tomada de decisão carregada de um preconceito sutil.
João e Raimundo não quiseram deliberadamente deixá-los de fora de
oportunidades, foram influenciados por um viés inconsciente, foram
tendenciosos. Tomaram as decisões com base em suas próprias
experiências.
E
quem não faz isso? O viés inconsciente permeia as atitudes de João,
Raimundo e de todo mundo, dizem especialistas. O tempo todo estamos
implicitamente julgando e fazendo suposições sobre pessoas e situações
ao nosso redor.
“Enquanto
o preconceito é consciente, o viés é inconsciente. O que muitas vezes
não é percebido pelas pessoas na sua tomada de decisão. Precisamos
trabalhar para eliminar ambos”, diz Monica Santos, diretora de recursos
humanos do Google para
a América Latina. Desde 2013, a empresa tem um programa de treinamento
global sobre o tema e mais 26 mil já participaram. “O objetivo é
detectar e extinguir os preconceitos inconscientes que temos”, explica a
diretora.
“O
viés inconsciente é do ser humano. O que nos cabe é perceber o que
estamos fazendo”, diz Cristina Fernandes, diretora de RH e de
comunicação da White Martins. A empresa – que desde 2010 tem um trabalho
estruturado de promoção da diversidade – também treina gestores para
que fiquem conscientes do peso que as associações imediatas têm na sua
tomada de decisão. “Nos nossos treinamentos não apontamos o dedo para
ninguém”, afirma Cristina. A ideia é que os executivos saiam desse
“piloto automático” e se abram para novos caminhos.
Tem
dado certo. A empresa aumentou em 10% o número de funcionárias mulheres
nos níveis profissional e executivo. Atualmente, seu quadro funcional é
composto por 30% de afrodescendentes e 22% de mulheres. Metade dos
estagiários de engenharia são mulheres.
Ainda
há um longo caminho para a igualdade racial e de gênero, mas a paisagem
nas fábricas e no ambiente corporativo já começa a ser mais diversa e
não só masculina e caucasiana.
Estimular
a reflexão sobre o viés inconsciente da tomada de decisão é vantajoso
para os negócios. Fabio Moreira, gerente de qualidade da fábrica de
equipamentos criogênicos da White Martins, diz que o ambiente inclusivo e
a diversidade têm sido fundamentais para ampliar a produtividade e
fomentar a inovação.
“É
preciso estar sempre atento para valorizar e reconhecer o desempenho e o
esforço e também para não tirar conclusões precipitadas sobre o
verdadeiro potencial dos profissionais. Quanto mais eu conseguir me
distanciar do meu viés inconsciente, mais oportunidades terei de
investir minha energia e meu tempo no desenvolvimento da minha equipe”,
diz.
Recentemente,
contratou e foi responsável pela qualificação de três profissionais na
fábrica: uma soldadora, uma engenheira de solda e uma estagiária de
engenharia de qualidade.
“Elas
trouxeram um perfil mais crítico, analítico e assertivo para nossos
projetos, além de incentivar a melhoria do desempenho dos homens, que
verificaram um elevado parâmetro de qualidade no trabalho delas”, diz.
E
como o que vale para um gestor é garantir o bom desempenho por meio da
sua equipe, Moreira comemora. “Como consequência, acredito que me tornei
uma liderança mais qualificada, capaz de trazer bons resultados para a
companhia.
Como é o treinamento do Google sobre viés inconsciente
No
Google, o treinamento começa com um fato, diz a diretora de RH para
América Latina, Mônica Santos: todo mundo tem algum tipo de preconceito,
que pode se manifestar de forma consciente ou não.
“Convidamos
os funcionários a fazerem o Teste de Associação Implícita (IAT), que
mede empiricamente preconceitos das pessoas, para mostrar que ninguém é
imune a esse sentimento”, diz Monica.
Decisões,
avaliações e relações entre as pessoas sofrem a influência de
preconceito e a ideia é quebrar essa corrente. “Discute-se que não somos
escravos de nossos preconceitos inconscientes. Quanto mais cientes
ficamos, quanto mais tentarmos ajudar os outros a confrontar seus
preconceitos, maior é a chance que temos de superar nossas preferências
encobertas”, diz.
Os
resultados são visíveis na tomada de decisões e as pessoas percebem que
precisam usar conscientemente mecanismos para reduzir o preconceito,
diz Monica.
Quais?
“Ter dados e fatos concretos porque é preciso poder medir para avaliar
se está melhorando, criar uma estrutura para tomada de decisão, ou seja,
definir critérios claros e usá-los de forma consistente”, diz a
diretora de RH.
Além
disso, é necessário estar atento a sinais sutis. “Como nome de salas,
decoração das mesas, piadas e brincadeiras, atividades extratrabalho”,
explica. Ela também cita a importância de ser um agente de mudança no
ambiente e promover a consciência de todos. “Mantendo a si e a seus
colegas responsáveis e chamando a atenção para situações que precisam
ser ajustadas”, diz.
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