Saiba o que todos os trabalhadores podem aprender com atletas e modelos sobre organização financeira
Por Mariana Poli
Plano
B e aposentadoria são duas palavras que parecem não fazer sentido algum
quando se está no auge da carreira, com todas as energias voltadas à
consolidação profissional. Mas é nessa fase que toda pessoa deveria
começar a planejar seu futuro. É isso que fazem os profissionais com
carreira de curta duração, como modelos e atletas. Cientes de que terão
uma aposentadoria precoce, antes dos 40 anos, eles costumam ter um
panorama bastante realista e pragmático da própria situação. Em geral,
pensam com frequência sobre as alternativas profissionais e de renda que
terão no futuro - possivelmente com ganhos menores - e planejam-se
financeiramente para segurar as pontas no momento crucial da transição.
Lucas
Saatkamp, o Lucão, jogador da seleção brasileira de vôlei, confirma
essa regra. "Sempre soube que minha carreira seria curta e que vôlei não
é como futebol, em que se ganha muito dinheiro. Por isso, economizo o
máximo que posso desde os 20 anos", diz ele, que, quando solteiro,
chegava a poupar 50% da renda para o futuro.
Com
a ex-modelo de Londrina Vera Kopp, de 38 anos, também não foi
diferente. Mesmo sendo contratada de uma grande agência nos Estados
Unidos, ela tinha consciência de que a vida glamourosa de viagens e
campanhas publicitárias valiosas teria um fim e de que era essencial não
se deslumbrar e guardar dinheiro. "Desde os 21 anos, quando comecei a
modelar nos Estados Unidos, o futuro me preocupa. Sabia que minha
carreira, a não ser que eu fosse a Gisele Bündchen ou a Alessandra
Ambrosio, não iria muito além dos 30", diz ela, que encerrou a
trajetória como modelo aos 35 anos.
Pouca
gente se dá conta, mas essa postura previdente, típica de profissionais
com carreiras rápidas, tem mais a ensinar à média dos trabalhadores do
que parece. Isso porque os ciclos de carreira estão muito mais curtos em
todas as profissões. Atualmente, não é incomum encontrar histórias de
profissionais que chegam a um posto de direção entre os 40 e os 45 anos e
que, quando perdem o emprego, têm imensa dificuldade de se recolocar ou
de conseguir outra posição com o mesmo salário.
"A
maior parte das pessoas só começa a se planejar frente ao avanço da
idade ou diante de uma demissão quando fica ainda mais difícil se
recolocar. Ter um plano B em vista e uma reserva financeira é
importantíssimo, sobretudo em um momento de restrição de oportunidades",
diz Matilde Berna, consultora sênior de gestão e transição de carreira
da Lee Hecht Harrison. "Toda mudança de carreira exige o pagamento de um
pedágio, que pode levar de um até cinco anos. É preciso desenhar um
plano para sustentar isso", afirma a consultora da LHH.
Futuro
Foi
pensando nisso que Vera Kopp poupou de forma disciplinada durante os
quase 15 anos em que atuou como modelo fora do Brasil. Para crescer mais
rápido, o dinheiro era aplicado em títulos de renda fixa. Em 2013, com
os recursos acumulados, ela comprou um apartamento no Itaim Bibi, bairro
nobre na capital paulista para investir. Atenta à valorização do
período, um ano mais tarde Vera se desfez do imóvel por um preço 70%
maior do que o que havia pago.
Com
10% do valor obtido na venda, iniciou a InCast, startup que conecta
profissionais do entretenimento a ofertas de trabalho e que se tornou
seu plano B de carreira. Com o resto do dinheiro, comprou um apartamento
menor, fez uma pequena reforma e alugou imediatamente. Vivendo entre
São Paulo e Los Angeles, é com a renda gerada por ele que a ex-modelo
paga as contas enquanto a startup não dá retorno. "Para quem estava
acostumada a ganhar mais de 200 000 dólares ao ano, não é fácil. Mas ter
feito economia desde novinha me ensinou que os sacrifícios são
necessários", afirma.
Com
a aproximação de sua aposentadoria, prevista para daqui a sete anos,
Lucão, hoje com 30, decidiu aumentar a eficiência de suas aplicações. Há
três anos, retirou as economias do banco e desenhou uma estratégia de
investimentos com a ajuda de um especialista. "Antes, eu investia só em
CDB [certificado de depósito bancário], por orientação do gerente. Hoje,
minhas aplicações são bem mais interessantes", afirma. Em sua cesta de
investimentos, o atleta os concentra em renda fixa, opção que, além da
rentabilidade dos juros altos, é considerada mais segura para alguém que
tem menos de dez anos para garantir uma renda vitalícia de 60% do valor
atual. "Ainda não tenho patrimônio para investir na Bolsa. Pretendo
começar a correr mais risco dentro de quatro anos."
Regras básicas
Segundo
Rodrigo Laureano, planejador financeiro de Lucão e gerente regional da
gestora de patrimônio Bullmark, em São Paulo, poupar e ter uma
estratégia de investimentos é atitude obrigatória para os profissionais
que atuam em profissões com atuação de curta duração - e também para
aqueles que veem a possibilidade de sofrer uma queda na renda por volta
dos 40 anos. A orientação dele é reservar mensalmente ao menos 30% do
salário. "Não adianta depositar o valor em um mês e passar outros três
sem fazer reservas. O compromisso evita gastar mais do que se pode e
garante uma condição digna na aposentadoria", diz.
Quanto
ao plano de investimentos, os especialistas concordam que quanto antes
ele for iniciado, mais vantajoso será. O profissional com carreira curta
que começa a guardar recursos com 18 anos terá de reservar uma fatia
menor da renda do que aquele que começou a fazer isso aos 24, por
exemplo. De modo geral, a estratégia para quem tem um período menor até a
aposentadoria deve destinar uma fatia menor dos recursos a ativos de
maior risco - e com perspectiva de maiores ganhos em um prazo mais curto
- e o resto em títulos mais seguros.
"Os
investimentos em renda variável não devem ultrapassar 20% da carteira
de quem tem um horizonte curto até a aposentadoria", diz Erick Scoot
Hood, gestor de fundos da Guide Investimentos, de São Paulo. Por isso,
ele sugere destinar 20% dos recursos a títulos que protejam da inflação,
como o Tesouro Direto; 20% a títulos pós-fixados, como CDB (Certificado
de Depósito Bancário), e isentos, como LCA (Letra de Crédito do
Agronegócio) e LCI (Letra de Crédito Imobiliário) e 40% a fundos
multimercados, que investem em diversas categorias e são bastante
flexíveis, possibilitando ganhar dinheiro em diferentes cenários. Os 20%
finais iriam para os ativos de maior risco, como fundos de ações, opção
mais simples para quem está começando a investir na Bolsa.
Uma
dica dos experts da área é que a cesta de investimentos tenha de 15% a
30% de liquidez imediata. São recursos que você pode sacar e trocar de
aplicações sem grandes perdas ou taxas, para atender emergências ou
aproveitar oportunidades do mercado. "Às vezes, há mudanças no cenário
econômico. Se o dinheiro está investido em renda fixa, com expectativa
inflacionária alta e juros subindo, e há uma reversão dessa tendência, é
preciso ter mobilidade para sair dos pós-fixados e aumentar a exposição
aos prefixados", diz Pedro, da XP Investimentos. Também é crucial
diversificar nas aplicações, como forma de reduzir o risco no caso de
alguma estratégia falhar.
Se
você está no grupo que visualiza a possibilidade de ter uma redução na
renda num horizonte de dez a 15 anos, vale a pena se inspirar na
estratégia financeira dos profissionais de carreiras curtas para
assegurar sua tranquilidade financeira e seu futuro profissional. Para
quem sente que está atrasado, a dica é começar o quanto antes. Neste
caso, vale aquele velho ditado: antes tarde do que nunca.
Planejamento express
Erick
Scoot Hood, da Guide Investimentos, simulou um plano de investimentos
para um profissional na faixa dos 30 anos, com renda de 10 000 reais,
que deseja ter uma renda mensal vitalícia a partir dos 45 anos de idade
Valor mensal investido
Com
metade do tempo aconselhado para planejar a aposentadoria, que é de 30
anos, será preciso reservar no mínimo 50% da renda. "Se investir 5 000
reais todo mês, com a inflação a 12%, o valor bruto no final do período
de 15 anos será de cerca de 2,5 milhões de reais. Isso garantirá à
pessoa uma renda de aproximadamente 7 000 reais por 30 anos", diz Erick.
Para chegar a esse valor mensal investido, será necessário readequar o
padrão de vida e encarar privações. "É melhor passar dificuldades no
começo da vida do que no final."
Estratégia indicada
incluir
uma porção de risco na carteira, para tentar um retorno maior em um
prazo menor. mas Os investimentos em fundos de ações não devem
representar mais de 20% das aplicações. "Como esse dinheiro é fonte de
renda, é preciso garantir que as possíveis perdas sejam cobertas pelas
aplicações de menor risco."
Cesta de investimentos
Para
começar, Erick sugere destinar 20% dos recursos a títulos que protejam
da inflação, para não perder o poder de compra, como o Tesouro Direto.
Depois, ele indica aplicar mais 20% em renda variável, em especial
fundos de ações, opção mais simples para quem está começando a investir
na Bolsa. Outros 20% iriam para títulos pós-fixados, como CDB
(Certificado de Depósito Bancário), e isentos, como LCA (Letra de
Crédito do Agronegócio) e LCI (Letra de Crédito Imobiliário) - sempre
dentro do FGC (Fundo Garantidor de Créditos). Já os 40% restantes podem
ser colocados em fundos multimercados, que investem em diversas
categorias de ativos, como títulos de renda fixa, ações e moedas.
"Assim, é possível operar diferentes investimentos, de acordo com
análises macroeconômicas e com a oportunidade de ganhar dinheiro em
diversos cenários", diz.
Esta matéria foi publicada originalmente na edição 222 da revista Você S/A e pode conter informações desatualizadas
Comentários
Postar um comentário