Pular para o conteúdo principal

Como profissionais com carreiras curtas planejam uma aposentadoria precoce

Saiba o que todos os trabalhadores podem aprender com atletas e modelos sobre organização financeira

Por Mariana Poli
Lucas Saatkamp, o Lucão, da seleção brasileira de vôlei: expectativa de se aposentar do esporte daqui a sete anos | <i>Crédito: Rogerio Pallata
Lucas Saatkamp, o Lucão, da seleção brasileira de vôlei: expectativa de se aposentar do esporte daqui a sete anos | Crédito: Rogerio Pallata
Plano B e aposentadoria são duas palavras que parecem não fazer sentido algum quando se está no auge da carreira, com todas as energias voltadas à consolidação profissional. Mas é nessa fase que toda pessoa deveria começar a planejar seu futuro. É isso que fazem os profissionais com carreira de curta duração, como modelos e atletas. Cientes de que terão uma aposentadoria precoce, antes dos 40 anos, eles costumam ter um panorama bastante realista e pragmático da própria situação. Em geral, pensam com frequência sobre as alternativas profissionais e de renda que terão no futuro - possivelmente com ganhos menores - e planejam-se financeiramente para segurar as pontas no momento crucial da transição.

Lucas Saatkamp, o Lucão, jogador da seleção brasileira de vôlei, confirma essa regra. "Sempre soube que minha carreira seria curta e que vôlei não é como futebol, em que se ganha muito dinheiro. Por isso, economizo o máximo que posso desde os 20 anos", diz ele, que, quando solteiro, chegava a poupar 50% da renda para o futuro. 

Com a ex-modelo de Londrina Vera Kopp, de 38 anos, também não foi diferente. Mesmo sendo contratada de uma grande agência nos Estados Unidos, ela tinha consciência de que a vida glamourosa de viagens e campanhas publicitárias valiosas teria um fim e de que era essencial não se deslumbrar e guardar dinheiro. "Desde os 21 anos, quando comecei a modelar nos Estados Unidos, o futuro me preocupa. Sabia que minha carreira, a não ser que eu fosse a Gisele Bündchen ou a Alessandra Ambrosio, não iria muito além dos 30", diz ela, que encerrou a trajetória como modelo aos 35 anos.

Pouca gente se dá conta, mas essa postura previdente, típica de profissionais com carreiras rápidas, tem mais a ensinar à média dos trabalhadores do que parece. Isso porque os ciclos de carreira estão muito mais curtos em todas as profissões. Atualmente, não é incomum encontrar histórias de profissionais que chegam a um posto de direção entre os 40 e os 45 anos e que, quando perdem o emprego, têm imensa dificuldade de se recolocar ou de conseguir outra posição com o mesmo salário. 

"A maior parte das pessoas só começa a se planejar frente ao avanço da idade ou diante de uma demissão quando fica ainda mais difícil se recolocar. Ter um plano B em vista e uma reserva financeira é importantíssimo, sobretudo em um momento de restrição de oportunidades", diz Matilde Berna, consultora sênior de gestão e transição de carreira da Lee Hecht Harrison. "Toda mudança de carreira exige o pagamento de um pedágio, que pode levar de um até cinco anos. É preciso desenhar um plano para sustentar isso", afirma a consultora da LHH.

Futuro

Foi pensando nisso que Vera Kopp poupou de forma disciplinada durante os quase 15 anos em que atuou como modelo fora do Brasil. Para crescer mais rápido, o dinheiro era aplicado em títulos de renda fixa. Em 2013, com os recursos acumulados, ela comprou um apartamento no Itaim Bibi, bairro nobre na capital paulista para investir. Atenta à valorização do período, um ano mais tarde Vera se desfez do imóvel por um preço 70% maior do que o que havia pago. 

Com 10% do valor obtido na venda, iniciou a InCast, startup que conecta profissionais do entretenimento a ofertas de trabalho e que se tornou seu plano B de carreira. Com o resto do dinheiro, comprou um apartamento menor, fez uma pequena reforma e alugou imediatamente. Vivendo entre São Paulo e Los Angeles, é com a renda gerada por ele que a ex-modelo paga as contas enquanto a startup não dá retorno. "Para quem estava acostumada a ganhar mais de 200 000 dólares ao ano, não é fácil. Mas ter feito economia desde novinha me ensinou que os sacrifícios são necessários", afirma.

Com a aproximação de sua aposentadoria, prevista para daqui a sete anos, Lucão, hoje com 30, decidiu aumentar a eficiência de suas aplicações. Há três anos, retirou as economias do banco e desenhou uma estratégia de investimentos com a ajuda de um especialista. "Antes, eu investia só em CDB [certificado de depósito bancário], por orientação do gerente. Hoje, minhas aplicações são bem mais interessantes", afirma. Em sua cesta de investimentos, o atleta os concentra em renda fixa, opção que, além da rentabilidade dos juros altos, é considerada mais segura para alguém que tem menos de dez anos para garantir uma renda vitalícia de 60% do valor atual. "Ainda não tenho patrimônio para investir na Bolsa. Pretendo começar a correr mais risco dentro de quatro anos."

Regras básicas

Segundo Rodrigo Laureano, planejador financeiro de Lucão e gerente regional da gestora de patrimônio Bullmark, em São Paulo, poupar e ter uma estratégia de investimentos é atitude obrigatória para os profissionais que atuam em profissões com atuação de curta duração - e também para aqueles que veem a possibilidade de sofrer uma queda na renda por volta dos 40 anos. A orientação dele é reservar mensalmente ao menos 30% do salário. "Não adianta depositar o valor em um mês e passar outros três sem fazer reservas. O compromisso evita gastar mais do que se pode e garante uma condição digna na aposentadoria", diz.

Quanto ao plano de investimentos, os especialistas concordam que quanto antes ele for iniciado, mais vantajoso será. O profissional com carreira curta que começa a guardar recursos com 18 anos terá de reservar uma fatia menor da renda do que aquele que começou a fazer isso aos 24, por exemplo. De modo geral, a estratégia para quem tem um período menor até a aposentadoria deve destinar uma fatia menor dos recursos a ativos de maior risco - e com perspectiva de maiores ganhos em um prazo mais curto - e o resto em títulos mais seguros. 

"Os investimentos em renda variável não devem ultrapassar 20% da carteira de quem tem um horizonte curto até a aposentadoria", diz Erick Scoot Hood, gestor de fundos da Guide Investimentos, de São Paulo. Por isso, ele sugere destinar 20% dos recursos a títulos que protejam da inflação, como o Tesouro Direto; 20% a títulos pós-fixados, como CDB (Certificado de Depósito Bancário), e isentos, como LCA (Letra de Crédito do Agronegócio) e LCI (Letra de Crédito Imobiliário) e 40% a fundos multimercados, que investem em diversas categorias e são bastante flexíveis, possibilitando ganhar dinheiro em diferentes cenários. Os 20% finais iriam para os ativos de maior risco, como fundos de ações, opção mais simples para quem está começando a investir na Bolsa.

Uma dica dos experts da área é que a cesta de investimentos tenha de 15% a 30% de liquidez imediata. São recursos que você pode sacar e trocar de aplicações sem grandes perdas ou taxas, para atender emergências ou aproveitar oportunidades do mercado. "Às vezes, há mudanças no cenário econômico. Se o dinheiro está investido em renda fixa, com expectativa inflacionária alta e juros subindo, e há uma reversão dessa tendência, é preciso ter mobilidade para sair dos pós-fixados e aumentar a exposição aos prefixados", diz Pedro, da XP Investimentos. Também é crucial diversificar nas aplicações, como forma de reduzir o risco no caso de alguma estratégia falhar.

Se você está no grupo que visualiza a possibilidade de ter uma redução na renda num horizonte de dez a 15 anos, vale a pena se inspirar na estratégia financeira dos profissionais de carreiras curtas para assegurar sua tranquilidade financeira e seu futuro profissional. Para quem sente que está atrasado, a dica é começar o quanto antes. Neste caso, vale aquele velho ditado: antes tarde do que nunca.

Planejamento express

Erick Scoot Hood, da Guide Investimentos, simulou um plano de investimentos para um profissional na faixa dos 30 anos, com renda de 10 000 reais, que deseja ter uma renda mensal vitalícia a partir dos 45 anos de idade

Valor mensal investido
Com metade do tempo aconselhado para planejar a aposentadoria, que é de 30 anos, será preciso reservar no mínimo 50% da renda. "Se investir 5 000 reais todo mês, com a inflação a 12%, o valor bruto no final do período de 15 anos será de cerca de 2,5 milhões de reais. Isso garantirá à pessoa uma renda de aproximadamente 7 000 reais por 30 anos", diz Erick. Para chegar a esse valor mensal investido, será necessário readequar o padrão de vida e encarar privações. "É melhor passar dificuldades no começo da vida do que no final."

Estratégia indicada
incluir uma porção de risco na carteira, para tentar um retorno maior em um prazo menor. mas Os investimentos em fundos de ações não devem representar mais de 20% das aplicações. "Como esse dinheiro é fonte de renda, é preciso garantir que as possíveis perdas sejam cobertas pelas aplicações de menor risco."

Cesta de investimentos
Para começar, Erick sugere destinar 20% dos recursos a títulos que protejam da inflação, para não perder o poder de compra, como o Tesouro Direto. Depois, ele indica aplicar mais 20% em renda variável, em especial fundos de ações, opção mais simples para quem está começando a investir na Bolsa. Outros 20% iriam para títulos pós-fixados, como CDB (Certificado de Depósito Bancário), e isentos, como LCA (Letra de Crédito do Agronegócio) e LCI (Letra de Crédito Imobiliário) - sempre dentro do FGC (Fundo Garantidor de Créditos). Já os 40% restantes podem ser colocados em fundos multimercados, que investem em diversas categorias de ativos, como títulos de renda fixa, ações e moedas. "Assim, é possível operar diferentes investimentos, de acordo com análises macroeconômicas e com a oportunidade de ganhar dinheiro em diversos cenários", diz.

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 222 da revista Você S/A e pode conter informações desatualizadas

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Trabalho em equipe estimula a produtividade

Parece que fica sempre muito complicado vencer as resistências, que incluem desmotivação, falta de liderança, rotinas, desconfiança e sistematização de normas que restringem a criatividade. A c omunicação deficiente e ineficaz costuma ser o maior e mais forte dos impedimentos. Os estilos pessoais e modelos mentais diversos criam, algumas vezes, impedimentos para os bons resultados esperados pela equipe. Quando não acontece a boa comunicação, as potencialidades de cada um são empobrecidas. Com um olhar especial, essa diversidade pode ser o que garante à equipe uma visão mais rica e eficaz. É nessa diversidade que as equipes se enriquecem. Um bom líder sabe observar as diferenças e utilizar as visões para fortalecer o potencial do time. Ele utiliza cada parte em benefício do todo. Dentro de uma equipe, alguns gostam de ler, pesquisar; outros têm muitas ideias; outros preferem ir diretamente à ação; alguns planejam antes de agir enquanto outros se divertem com a experimentação. H...

O mercado de trabalho e a sociedade atual

O trabalho existe desde a antiguidade onde as pessoas trabalhavam para sobreviver, a necessidade de comer, de ter onde dormir era o que determinava a necessidade de trabalhar. Hoje em dia graças a  evolução humana e tecnológica, as características do trabalho mudou,assim como a visão do empregador e as chances de quem está a procura de um trabalho. As pessoas atualmente têm melhores e maiores chances de encontrar um bom trabalho, diferentemente de antigamente onde não existiam muitas opções. Hoje temos um mercado de trabalho altamente competitivo e que busca não somente por um funcionário e sim por pessoas que estejam realmente dispostas a aprender,a crescer e a se qualificar. A sociedade atual busca por pessoas pró-ativas, que tenham boa vontade, disponibilidade e queiram de fato um bom trabalho. Os funcionários que se sobressaem hoje no mercado de trabalho são aqueles que querem trabalhar e não apenas aqueles que precisam,quem somente precisa estaciona. Pará no tempo, se cont...

Somos a geração da exaustão: A tecnologia faz ou não trabalharmos mais?

Vivemos em uma era de avanços tecnológicos sem precedentes, onde a conectividade é onipresente. A tecnologia trouxe inúmeras facilidades e oportunidades, mas também trouxe consigo desafios significativos para a saúde mental e a qualidade de vida. O crescente uso de telas e a pressão para estar constantemente conectado têm contribuído para o surgimento de uma nova forma de esgotamento: o burnout digital. A terapeuta, gestora de carreira e CEO, Madalena Feliciano, comenta que a tecnologia, por um lado, prometeu simplificar nossas vidas e aumentar nossa produtividade. No entanto, paradoxalmente, muitos de nós nos encontramos trabalhando mais horas e enfrentando uma sobrecarga constante de informações. A linha entre trabalho e vida pessoal tornou-se cada vez mais tênue, com e-mails, mensagens e notificações invadindo nossa privacidade e tempo de descanso. O resultado desse estilo de vida superconectado é uma exaustão crônica, tanto física quanto mental. A pressão para responder instantane...