Enquanto todos falam de crise, que realmente existe, tem gente conseguindo crescer. Ao conversar com muitos executivos que em 2016 assumiram cadeiras acima das que ocupavam, ouvi que eles encontraram a oportunidade que precisavam para mostrar que estavam ‘sub-utilizados’. Estavam mesmo?
Por Roberto Aylmer*
De
certa forma, todos nós sentimos ou somos subutilizados. Nosso cérebro
busca isso: economia de energia. O corpo e a mente tendem à acomodação
como forma de reduzir o consumo de energia. Vale lembrar que nossa
biologia não evolui na mesma velocidade que nossos hábitos sociais.
Ainda temos um cérebro com a mesma configuração do tempo em que o homem
começou a plantar e a se fixar na terra. Nessa época, gastar mais
caloria do que era possível ingerir significaria a morte em algum
momento. Se a conta não fechasse, não tinha ‘cheque especial’, a pessoa
morria.
Então,
todos os nossos sistemas biológicos foram ‘ajustados de fábrica’ com o
modo ECO, ou seja, buscando gastar o menos possível. Mas o tempo passou e
o homem aprendeu a coletar água e, com isso, ganhou mais mobilidade.
Depois, a estocar comida (salgando as carnes), podendo ter um estoque de
calorias. Com o avanço da sociedade, mais estoques de água e comida e
descobrimos a obesidade, que é o oposto da necessidade, afinal
acumulamos mais do que conseguimos consumir.
Da
mesma forma vemos, hoje, este processo em nossa jornada profissional. É
muito comum em treinamentos ouvir alguém dizer: “eu já sei isso”. A
minha pergunta de volta é: “Ok, você já sabe, mas quanto disso aparece
em sua prática de liderança? O que seus pares e liderados falariam que
você faz disso que diz saber em sua prática diária?”. A verdade é que
sabemos mais do que fazemos. É tudo baseado na biologia do
desenvolvimento: economizar para sobreviver. Simples. Natural.
Mas
aí vem a crise, desalojando tudo o que era conhecido e desorganizando
certezas. A crise é caracterizada por quatro grandes forças que formam o
contexto VUCA, um acrônimo criado pelas forças armadas americanas para
lidar com combates no deserto, onde as condições eram muito instáveis.
VUCA
diz respeito à Volatilidade (quando as variáveis mudam a uma velocidade
que não conseguimos acompanhar), à Incerteza (em inglês, Uncertainty,
quando não se entende ou não se tem interpretação confiável do
contexto), à Complexidade (quando novas e desconhecidas variáveis entram
no jogo e afetam a equação do equilíbrio) e à Ambiguidade (múltipla
interpretação da mesma situação).
No
mundo VUCA, as mudanças têm aumentado em alcance e velocidade,
desafiando as antigas estratégias que usamos para conseguir sobreviver,
parafraseando Darwin, que no final do Século XIX falava que a
sobrevivência não era do mais forte, mas sim do que mais se ajustasse à
mudança. Em outras palavras, o mais adaptável. Então, se por um lado
precisamos da estabilidade para construir, precisamos da instabilidade
para evoluir.
Esse
paradoxo é a base da história humana. Tempos de crescimento e
prosperidade alternados com tempos de crises e carências. Ambos fazem
parte do processo, como duas asas de um mesmo pássaro. Tire uma delas e
ele nunca mais voará.
Encontrei
uma boa metáfora dessa situação numa charge que vi num jornal onde um
casal que tinha uma vida tranquila, mas chegando aos 40 anos, um fala
para o outro: “Precisamos de mais aventura… Vamos ter um filho?”. No
quadrinho seguinte aparecem os dois, no meio de um monte de fraldas, com
olheiras e cara de desespero e aí um deles fala: “Acho que exageramos
na aventura”.
Todo
mundo que tem filhos já passou pelo desespero de ter sua vida
transtornada por aquele pequeno ser, já pensou em jogá-lo da janela (por
isso colocamos grades), mas, pergunte se alguém voltaria atrás e daria o
seu filho para outra pessoa. Impensável!
Da
mesma forma, a crise nos leva a um novo patamar de reflexão e
entendimento de que nossa viagem nesta terra não é a passeio. Viemos com
um propósito. E quanto mais vivemos construindo este propósito, mais
nos sentimos felizes.
Em
outras palavras, chegamos mais longe porque conseguimos atravessar
crises. Chegamos mais felizes porque construímos um propósito que
transcende nossa existência e deixa um legado. Feliz Crise para você!
*Este artigo é de autoria de Roberto Aylmer, professor da Fundação Dom Cabral
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