Por
mais que a cultura de trabalho seja algo específico de cada empresa – e
que algumas têm mais forte e outras não –, também é fato que o contexto
mais amplo, do país em que se vive, influencia na maneira como as
pessoas trabalham.
Da
carga horária à formalidade das relações, passando pela maneira como
são marcadas reuniões ou como os funcionários são promovidos, cada país
possui alguns traços culturais específicos que juntos formam uma cultura
de trabalho própria.
A seguir, bolsistas da Fundação Estudar (que está com seu processo seletivo de bolsas aberto
até 24/3) que vivem e trabalham no exterior compartilham suas
experiências com a cultura de trabalho de onde vivem, dando conselhos
para quem pretende ganhar experiência profissional fora e mostrando o
que nós, brasileiros, poderíamos aprender com os hábitos de outros
países.
Estados Unidos
Pela
terceira vez nos EUA, após um período na Argentina e outro na Espanha,
Rodolfo Coelho se mudou pela primeira vez para fazer seu MBA na Tuck School of Business, da Dartmouth College, em 1995. “Sempre
me planejei para estudar fora e aprendi inglês desde cedo – e mesmo
assim ainda me lembro do primeiro de de aula, quando vi quão distante
minha fluência estava da linguagem cotidiana”, lembra.
Hoje
Chief People Officer da AbleTo, uma empresa de saúde comportamental com
sede em Darien, no estado de Connecticut, ele também passou por Miami e
pelo Burger King, onde foi chefe de construção e desenvolvimento da
América do Norte.
“Os americanos são mais pragmáticos e focados, o que resulta em maior produtividade,
e mais formais”, resume. “No início, parecem um povo frio e distante,
mas na verdade tem apenas uma maneira diferente de encarar o mundo e que
traz grandes benefícios.”
“O americano é realmente menos sentimental, tem pouco bate papo numa reunião, se afastam do abraço”, concorda Adriana Lynch,
que saiu do Brasil para fazer seu MBA na Universidade Harvard nos anos
1990 e hoje é dona da própria empresa de marketing na Califórnia. “No
começo eu me ofendia, mas o brasileiro que vem trabalhar aqui precisa
entender esse traço.”
“E isso não requer renunciar a sua cultura”, continua Rodolfo. “É apenas acrescentar os valores do novo país ao seu.”
Suíça
O
caminho de Alessandra Porto na Suíça foi mais impetuoso. Quando estava
no último ano de graduação em Engenharia de Produção no ITA, aceitou uma
proposta para fazer seu trabalho de conclusão de curso em Salzburgo, na
Áustria, em 2012.
Encantada com a Europa, decidiu ficar por mais um ano e começou a buscar um emprego, mesmo sem falar alemão. (Hoje ela é fluente no idioma.)
“Usei
minhas redes de contato do ITA e da Fundação Estudar loucamente”, ri.
“Perguntava se sabiam de alguma empresa que precisava de estagiário,
trainee, qualquer coisa.” Conseguiu uma vaga de trainee em Baden, cidade
em que ficava a filial suíça da Alstom, eventualmente comprada pela GE
Power, e manteve-se no posto por três anos.
[Alessandra na Suíça / Acervo pessoal]
Engenheira
de campo na ABB há dois meses – ela conseguiu o emprego após reconhecer
e abordar seu atual chefe na rua e fazer um pitch espontâneo –, ela
consegue ver diferenças culturais mesmo em comparação com seu trabalho
majoritariamente universitário no Brasil, como na empresa júnior do ITA.
“No
Brasil, as pessoas não têm vergonha de trabalhar e ficam até às 20h.
Aqui, deu 17h e o pessoal vai embora. A questão do equilíbrio entre vida
profissional e pessoal é muito grande.”
Acostumada
com o ritmo frenético do ITA, ela levou um tempo para se acostumar.
Outros aspectos, fala ela, o brasileiro faria bem em adotar.
“Se
vejo que estou na metade do prazo de um projeto e vejo que não estou
conseguindo avançar, vou ao meu supervisou e falo que preciso de ajuda. É
uma comunicação muito mais aberta do que no Brasil, em que a competição
e a cobrança são muito grandes.”
A
questão da adaptação, para Alessandra, exige uma motivação interna.
“Vejo muitos brasileiros que se prendem a sua cultura e ficam isolados
quando a cultura europeia tem muita coisa boa para dar”, fala. “Observe,
escute e veja quem são as pessoas mais abertas e amigáveis e faça
perguntas. Não existem perguntas idiotas!”
Alemanha
A
rigidez da jornada de trabalho foi uma coisa que Ricardo Barreto
aprendeu na prática no mercado alemão, uma experiência de altos e
baixos.
Aos
interessados, ele avisa: “Ajuste suas expectativas porque o ambiente de
trabalho é menos dinâmico, a progressão de carreira é extremamente
lenta e privilegia os alemães”.
Contratado em 2011, mudou-se para Kassel para ser gerente sênior de business development de
uma firma alemã do setor de óleo e gás. A proposta era para montar de
lá uma subsidiária brasileira, que ele assumiria quando estivesse
pronta.
Após
dois anos, com o lugar pronto, a empresa decidiu enviar um alemão no
lugar de Ricardo. “Fiquei sabendo às duras penas que meu papel era de
coadjuvante”, lembra.
[Ricardo Barreto na Alemanha / acervo pessoal]
Logo
no início, Ricardo foi advertido a não se estender além do horário – o
departamento de recursos humanos fez um pedido formal, dizendo que
aquilo poderia resultar em problemas com a comissão de empregados.
Ao
mesmo tempo, ele destaca que há benefícios, como ganhos previsíveis,
estabilidade de emprego e equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
“O
lado bom foi aprender a conviver com esse timing de decisão mais
lento”, explica. “Eu vinha de uma realidade muito agressiva e acho que,
no Brasil, acabamos ficando muito workaholics. Na Alemanha, a cultura é a
de fazer o que der para fazer no tempo alocado de trabalho. Se não der,
paciência.”
Hoje,
ele se prepara para assumir o cargo de CEO da Elia Grid International
na Bélgica, empresa de consultoria do setor elétrico que pertence ao
grupo dono da malha de transmissão de energia elétrica belga e de parte
da malha alemã.
E
leva na mala os aprendizados recentes. “A experiência alemã me deu
outra perspectiva. Passei a usar mais tempo comigo, na minha vida
pessoal, sem prejudicar o trabalho”, conclui.
África do Sul
Ao
desembarcar em Joanesburgo, na África do Sul, em 2015, Olavo Cunha já
tinha cerca de 20 anos de experiência como executivo – e um MBA da
Wharton School, da Universidade Pennsylvania – quando assumiu o cargo da
CEO da BRF para o continente africano.
“Profissionalmente,
o desafio de desenvolver marcas, produtos, supply-chain e GTM
localizados era excepcionalmente atraente”, explica. “Pessoalmente,
aprimorar a qualidade e segurança alimentar para mais de um bilhão de
consumidores e criar oportunidades e empregos é profundamente
inspirador.”
Foi
bom também para a família, que tem com duas filhas pequenas que se
beneficiam da exposição internacional no país, com mais de dez tribos
nativas e descendentes de ex-colonos europeus, entre outras
nacionalidades.
Uma
das primeiras reuniões que Olavo teve marcou sua memória. “Do lado do
cliente, havia um afrikaner [um descendente de holandês], um descendente
de inglês, um negro de origem sul africana e um descendente de
indiano”, lembra. “Cada um deles falava inglês com um sotaque diferente,
o que indicava que provavelmente não estudaram nas mesmas escolas e não
tiveram uma infância em comum. Foi um choque.”
[Olavo Cunha com as filhas na África do Sul / Acervo pessoal]
Hoje acostumado com tamanha diversidade, ele considera o ambiente de trabalho respeitoso e excepcional.
“Toda
esta diversidade se manifesta no ambiente de trabalho, o que coloca um
belo desafio de flexibilidade e navegação”, diz. “Generalizando
bastante, eu diria que o sul africano tendem a ser estruturado e
respeitar muito os processos e horário de trabalho – e isso ajuda a
trazer um pouco de disciplina aos brasileiros, que têm muita energia e
entusiasmo mas bastante dispersão.”
Para
entender melhor o país, ele investiu em livros de história nacional e
mergulhou nas comunidades locais, uma recomendação feita também pelos
outros entrevistados.
“Vale
muito deixar as pré-concepções de lado e experimentar as
idiossincrasias”, resume Olavo. “Ao entender o ‘outro’, acabamos
aprendendo muito sobre nós mesmos. E este, no final, é o grande
amadurecimento que vem com uma experiência internacional imersiva.”
- este artigo foi originalmente publicado pelo Na Prática, portal da Fundação Estudar
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