Assumir os deslizes, encarar o cenário sombrio e começar tudo de novo faz parte de dar a volta por cima ao errar
Por Mariana Amaro
Como
qualquer usuário de rede social já sabe, sucesso é algo para ser
compartilhado, curtido e comentado. Uma promoção, um elogio, um
faturamento no azul, tudo é motivo para avisar a todos como a sua
carreira está muito bem, obrigado. O fracasso, por outro lado, é algo
íntimo, para ser degustado sozinho, de preferência escondido no quarto,
debaixo das cobertas.
Ninguém
gosta de falar que fracassou, até para não dar aquela satisfação para
quem torcia contra. A palavra “schadenfreude” é alemã, mas serve para
descrever um sentimento comum: aquela felicidade que todo mundo já
sentiu uma vez ao ver o outro falhar. Mas a verdade é que todos os
bem-sucedidos já cometeram deslizes.
“As
pessoas acham que uma trajetória de sucesso é linear, que aquele
presidente ou empreendedor foi construindo sua carreira de maneira
espetacular e nada deu errado. Mas esse caminho é todo quebrado, de
tentativas e erros”, diz Rafael Chanin, de 34 anos, que já perdeu as
contas de quantas vezes quebrou – a primeira vez foi aos 15 anos – e por
isso mesmo trouxe para o Brasil, em 2012, a FailCon, uma conferência
criada em San Francisco, na Califórnia, três anos antes, com a nobre
missão de “naturalizar a falha”.
A
ideia do evento, que acontecerá este ano em Recife e Porto Alegre não é
celebrar o erro, apenas mostrar que esse é um processo natural de
aprendizado e incentivar os brasileiros a empreender mais.
Coragem para encarar
É
difícil assumir um fracasso. Tão difícil que Rafael tem problemas em
encontrar pessoas dispostas a falar sobre suas falhas. “Quando a maioria
das pessoas sobe em um palco, quer falar das suas virtudes, mostrar seu
lado bom. Muita gente não entende a proposta de dividir também seu lado
humano”, afirma Rafael.
Há
quem tenha essa coragem, como os personagens desta reportagem. Um
exemplo é Robinson Shiba, de 48 anos, dono e presidente da Trendfoods,
que no ano passado teve um faturamento de 430 milhões de reais e é
conhecida pelas marcas China in Box e Gendai.
Descendente
de japoneses e nascido na cidade paranaense de Maringá, Robinson trocou
a carreira estável na odontologia, herança paterna, pelo
empreendedorismo. Para conseguir os 60 000 dólares de que precisava para
abrir um negócio, ele vendeu dois dos seus consultórios e pediu um
empréstimo ao pai. Com o dinheiro no bolso, inaugurou em 1992, em São
Paulo, a primeira loja do restaurante que viraria sinônimo de comida
chinesa entregue em casa, o China in Box. A ideia surgiu em uma viagem
de Robinson pelos Estados Unidos, quando notou que pratos asiáticos
comercializados em caixinhas eram um sucesso.
O
negócio demorou alguns meses a engatar. Enquanto isso, Robinson fazia
de tudo: de distribuir folhetos a cortar legumes. Em 1993, abriu a
segunda loja ao lado de um amigo e o negócio deslanchou – o que o levou a
querer expandir. Em uma feira de franquias no ano seguinte
comercializou 35 lojas. “Eu tinha 25 anos. Com essa idade, você não tem
medo de nada, acha que é imortal e que tudo que fizer vai dar certo”,
diz Robinson.
A
ânsia pelo crescimento agressivo foi responsável por um de seus
primeiros erros: não dedicar tempo para a estruturação de sua rede de
franquias. “Não tinha nem um organograma, não havia diretoria, gerente,
área de recursos humanos, nada. Não havia nenhum controle de alimentos,
de desperdício ou de pratos, de quais davam lucro e quais davam
prejuízo. Os franqueados recebiam as receitas e procuravam seus
fornecedores. Começou a ficar tudo fora de controle”, diz. Mesmo à beira
do caos, Robinson percebeu o problema a tempo. Parou de abrir lojas por
um ano e meio para arrumar a casa: contratou uma consultoria que
desenvolveu indicadores de negócios e implantou um operador logístico.
Passado
esse primeiro tombo, o empreendedor recomeçou a expansão. Em 2007,
decidiu que era hora de ir para fora do país. “Foi uma decisão mais
emocional. É o sonho do empreendedor ver sua marca pelo mundo”, afirma.
Mas o sonho não é para qualquer um. O China in Box chegou a ter uma loja
na Argentina e outras cinco no México. Ele só se esqueceu de perguntar
se os latinos gostavam de yakissoba. Ao que parece, não gostavam. As
seis lojas fecharam em menos de dois anos. “Eu precisaria ir para lá
para tentar fazer acontecer. Mas, se deixasse a operação no Brasil,
poderia desandar aqui de novo”, diz. Hoje, ele mantém o foco dos
negócios apenas em território nacional e toma cuidado ao selecionar os
franqueados, para não fechar nenhuma loja. Este ano, seu papel será
visitar todas as 200 lojas do China in Box e do Gendai, que foi comprado
em 2008, para conversar com franqueados e funcionários. “Quero acabar
com o mito de que empreendedor é um cara diferente, que não erra.”
Deslizes da juventude
Quando
percebemos que erramos, o primeiro passo para a recuperação é não ficar
paralisado. “Todo mundo vai cometer falhas sucessivas no planejamento
da carreira, no trabalho e na liderança. O que mostra o seu caráter é
sua atitude depois do deslize: se você vai ter coragem de assumir,
consertar o que for possível e aprender com ele”, diz Alessandra Assad,
professora de gestão de pessoas da FGV, em Curitiba, e autora do livro
“Leve o Coração para o Trabalho” (Qualitymark, 32,90 reais).
O
grande erro do paulistano Omar Pucci Netto, de 34 anos, diretor da
FullComerce, empresa que presta serviço de canais de vendas, foi causado
pelo ego. Depois de uma carreira meteórica na área de marketing da
Kimberly-Clark, fabricante das marcas Kleenex, Intimus e Huggies, Omar,
com 25 anos, pediu demissão durante uma reunião com a diretoria e o
presidente da empresa em que apresentava uma nova estratégia de vendas.
O
objetivo era montar seu próprio negócio, um site para comercializar
produtos com alta frequência de compra e baixo prazer de consumo, como
fraldas, absorventes e ração para cachorro. A ideia era tão boa que Omar
recebeu o apoio da família e dos amigos. “Cresci na Kimberly-Clark e
não tinha noção de como fariam falta as áreas de suporte de uma
multinacional, como finanças e logística. Achava que conseguiria
reproduzir tudo aquilo sozinho”, diz.
Sozinho,
na verdade, não. Ele tinha um sócio, e esse foi o seu segundo erro:
chamar para o negócio alguém que gostava dos mesmos assuntos que ele.
“Nenhum dos dois tinha afinidade com a área de finanças, que é vital”,
diz. O terceiro foi querer começar grande. “Montei um escritório enorme,
com piso de madeira caro, todo equipado, lindo. Mas não me atentei para
o fato de que os produtos que eu queria vender tinham uma margem muito
pequena de lucro e a conta não ia fechar nunca”, diz. Apesar de dar
prejuízo, Omar continuava investindo para alavancar as vendas: fez
propaganda na televisão, criou um call-center interno, aumentou o
estoque. “Achava que se batesse o faturamento, o dinheiro iria
aparecer.” Não apareceu.
Em
2005, quando inaugurou a loja, as pessoas ainda desconfiavam de compras
pela internet. A solução foi enviar os produtos com boletos, para que
os clientes pagassem depois. Resultado: 90% de inadimplência. Todos os
sinais mostravam que era a hora de parar, mas o paulistano persistia.
“Às
vezes, o maior erro é não perceber que se está perdendo tempo com um
negócio que não dá certo. Vale para empreendedores que insistem na
empresa falida e para profissionais que estão parados na carreira há
anos e não conseguem enxergar que o único jeito é sair desse barco”, diz
Silvio Celestino, sócio-fundador da Alliance Coaching, em São Paulo.
Demorou para Omar perceber o problema.
Antes,
chegou a convencer um amigo a investir como anjo no negócio falido –
uma dívida que ele pretende honrar logo. “Quando me perguntavam como
estava o meu negócio, eu desconversava, falava que ia bem, mas a verdade
é que eu não tinha dinheiro nem para colocar gasolina no carro”, diz.
“Precisei chegar ao fundo do poço, engordar 20 quilos, ter labirintite e
ficar com o colesterol nas alturas para entender que não tinha jeito”,
afirma. Ele teve até sintomas de depressão e passou 15 dias sem sair de
casa. E o telefone tocava o dia inteiro com fornecedores e até
ex-funcionários cobrando sem parar.
A
história de Omar é comum no Brasil. Segundo uma pesquisa do Sebrae
nacional, a taxa de mortalidade de empresas nos cinco primeiros anos de
atividade é de 50%. O negócio de Omar entrou nessa estatística. Para se
reerguer, ele e o sócio venderam todo o estoque, caixas, máquinas e tudo
que foi possível por, algumas vezes, menos de 10% do valor. Ele
percebeu então que um braço da empresa era rentável, o de serviços e
aplicação de inteligência de negócio para vendas em multicanais, que era
usado como fonte de renda para tapar o prejuízo das operações da
empresa principal – o que deu origem a seu atual negócio, a
FullComerce.
Um
ano e meio depois daquilo que ele chama de fundo do poço, Omar havia
finalmente saído das trevas. “Já paguei 90% das minhas contas e consigo
até viajar de vez em quando”, comemora. Ele agora terceiriza tudo que
não é operação central, chamou uma sócia que o complementa e planeja
cada passo.
Para
Irene Azevedo, diretora de transição de carreira e gestão de mudança da
consultoria LHH DBM, em São Paulo, muitos profissionais pecam
justamente no planejamento. “É impossível traçar um plano e colocá-lo na
gaveta, achando que é imutável. Esse plano é um organismo vivo que
precisa ser revisto sempre.”
Pede para sair – e para voltar
Faltou
essa consciência para a psicóloga natural de Formosa, em Goiás, Simone
Ribeiro, de 36 anos. Ela entrou no Grupo Sabin em 2007 como atendente em
uma das unidades de Brasília. A empresa apostou nela e cobriu sua
graduação em psicologia com uma bolsa de estudos de 80%.
Enquanto
isso, Simone foi transferida para a unidade de Formosa, na posição de
supervisora de uma equipe de dez profissionais. Três anos depois, o time
aumentou para 32 e o faturamento triplicou. Apesar de gostar muito da
empresa e do seu trabalho, Simone decidiu que estava na hora de encarar o
negócio da família e ganhar mais dinheiro. Mas o plano não deu certo.
Menos
de dois anos depois, a empresa, uma transportadora, teve problemas
financeiros e encerrou as atividades. Ela, então, procurou algumas
pessoas do Grupo Sabin, com as quais mantinha contato e boas relações,
para sondar sobre possíveis vagas. Como não havia posições disponíveis,
partiu para o plano B: atender pacientes, como psicóloga – o que nunca
havia feito antes. “Percebi que não gostava disso quando, mesmo
precisando de dinheiro, fiquei feliz ao ouvir que um paciente
desmarcaria uma consulta de 120 reais”, diz Simone.
Pouco
depois, surgiu uma oportunidade no Grupo Sabin para a unidade de
Palmas, em Tocantins, como analista de relacionamento, um cargo mais
baixo que aquele ocupado antes por ela. Simone não pensou duas vezes e
se mudou com a família para lá no dia 3 de janeiro. Três dias depois já
estava trabalhando. “É um cargo de analista, sim, mas é na minha área de
formação. Aqui tenho liberdade para trabalhar com o que gosto e me
sinto realizada”, diz Simone.
Ter
uma atitude semelhante à dela e sair de uma empresa que gosta por uma
proposta de remuneração melhor é comum. Segundo a Pesquisa dos
Profissionais Brasileiros – Um Panorama Sobre Contratação, Demissão e
Carreira, feita pela Catho com 26 459 pessoas, a maior parte dos
profissionais que pedem demissão (34%) o faz para ganhar mais dinheiro
em outro lugar. Simone também fez o mesmo caminho de volta que 56% dos
que saem de uma empresa.
Segundo
uma pesquisa do site de vagas Trabalhando.com com 800 pessoas, 56% dos
que se demitem voltam para a antiga empregadora. Desses, 14% porque se
arrependeram de ter ido embora e pediram para voltar. O que Simone
conseguiu encontrar é aquilo que as pessoas mais precisam e menos sabem.
“É ter um propósito, o que acontece quando você realmente gosta do que
faz”, diz Rogério Chér, consultor de carreira.
Mais confiança nos outros
Mesmo
uma carreira que parece à prova de qualquer falha, como a de Rachel
Maia, a paulistana de 44 anos que ocupa a presidência da fabricante de
joias Pandora, teve seus altos e baixos. “O mercado da América Latina é
muito machista, mas não me intimido. Sei muito bem que mereço meu lugar
na mesa de negócios”, diz Rachel. Com um currículo invejável que inclui
curso em Harvard e longas passagens pela farmacêutica Novartis e pela
glamourosa Tiffany’s, ela sabe reconhecer o poder que anos de
experiência tiveram em melhorar suas habilidades na liderança. “A líder
que eu era no começo da carreira, a que eu era no ano passado e a que
sou hoje são diferentes. Acredito que estou em uma constante evolução”,
diz Rachel.
Hoje,
já entende que é impossível cuidar de todos os detalhes da operação.
Antes, por ser muito meticulosa, Rachel deixava o time mais próximo
muito mal-acostumado. Mas, com o crescimento da empresa, percebeu que
estava exigindo muito de si e pouco dos outros. “Acredito mais na minha
equipe agora, e isso melhorou inclusive a nossa relação, porque eles
confiam mais em mim e, consequentemente, neles próprios. Isso faz o
trabalho de todo mundo ficar melhor. Entendi que confiança é um fator
motivacional”, diz. Antes, ela não conseguia delegar.
Um
dos erros de liderança mais comuns, segundo a coach Eliana Dutra, CEO
da ProFit, consultoria de carreira, no Rio de Janeiro. “É mais comum
principalmente entre os líderes recém-promovidos. As pessoas têm
dificuldades em entender que a função mudou e que agora devem
supervisionar o trabalho dos outros. Isso é muito desgastante para o
gestor, que faz o seu trabalho e o dos outros, e para os subordinados,
que se sentem inseguros com o chefe”, diz Eliana.
Outro
problema de liderança de Rachel surgia por seu jeito simpático. A forma
como ela tratava e conversava com a equipe fazia surgir laços fortes de
amizade. “Aprendi que posso gostar muito de uma pessoa, mas tenho que
pensar no negócio. Não estou escolhendo meu grupo de amigos, estou
decidindo quem é melhor para aquela posição dentro da companhia”,
afirma. Responsável pelo crescimento da joalheria, que quando ela entrou
tinha duas lojas e hoje tem 70 espalhadas pelo Brasil, Rachel, na
verdade, quase não entrou no mercado de luxo e de varejo. “Eu não queria
ir para a entrevista na Tiffany’s em 2003, queria trabalhar na
indústria. Só fui porque o recrutador me convenceu de que me arrumaria
uma entrevista em outra área se eu fosse lá para conversar”, conta a
executiva.
Com
1,83 m. de altura, é difícil para Rachel entrar em uma sala sem ser
notada pelos outros. Entrar em uma sala com cinco homens engravatados
aguardando sua vez para conversar sobre uma vaga de diretor financeiro
(ou CFO) sem causar certo impacto então, era impossível. “Já que eu
estava lá, ia fazer o meu melhor”, diz. Ela fez, convenceu os
recritadores e conseguiu a vaga. “Tive um pouco de sorte também, mas
sempre trabalhei muito e pude contar com mentores ao longo da carreira.
Mas faria muita coisa diferente”, diz.
Uma
dessas “coisas” é tirar mais férias. Em sete anos que passou na
Tiffany’s, a executiva só saiu de férias uma vez, por alguns dias.
Quando sua filha Sara nasceu, ela tirou uma micro-licença-maternidade
(de 20 dias), mas desde então sai de férias todos os anos. “É importante
descansar e entender também que sou presidente da Pandora, mas não sou
só isso. Sou mulher, sou negra, sou mãe solteira e sou até professora de
catecismo há mais de 15 anos”, diz. Mais importante que isso, Rachel
tenta mostrar à sua equipe que é uma pessoa, com dias difíceis, dias
melhores, que também precisa voltar para a casa à noite e fazer o jantar
da filha e, principalmente, que também comete muitos erros, como
qualquer pessoa – e se levanta depois deles com mais força ainda. Como
dizia o ex-primeiro-ministro da Inglaterra, Winston Churchill, “sucesso é
ir de fracasso em fracasso sem perder o entusiasmo”.
Esta matéria foi publicada originalmente na edição 211 da revista Você S/A com o título "Aprenda com seus erros"
Você S/A | Edição 211 | Fevereiro de 2016
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